terça-feira, 17 de abril de 2012

A Braga que o tempo levou

Braga Cidade mutante Uma viagem ao passado, com paragem em vários séculos e direito a conhecer muitos arcebispos, guiados por Rui Ferreira, 27 anos, historiador e mestrando em Património e Turismo Cultural
Passear por Braga com Rui Ferreira é um desafio à imaginação. O olhar alcança o que nem sempre se vê: a cidade de outras eras Rui Ferreira foi jesuíta durante sete anos, mas é, desde criança, um apaixonado pela história da cidade onde nasceu e sobre a qual costuma escrever para jornais. Ao seu lado, o olhar tem o dom de alcançar o que nem sempre se vê - a cidade de outras era, numa visita que segue, sempre que possível, uma orientação cronológica. Começamos pelo século II e a fundação das Termas Romanas. "Tudo o que é romano é recente", provoca Rui. A brincadeira tem fundamento: as ruínas que vemos, as mais importantes de Bracara Augusta, foram descobertas pela Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (UM) apenas em 1977, quando se faziam prospeções para construir casas. O colorido dos mosaicos perdeu-se, devido à acidez do solo granítico, mas é possível identificar o frigidário, o tepidário, o caldário... "Devem ter deixado de funcionar no século IV, quando a cidade foi cristianizada e os elementos pagãos começaram a perder importância". É bom não esquecer o papel de Bracara Augusta na época romana, quando era capital da província da Galécia. Ao lado das Termas, o Teatro romano (ainda em fase de escavação) apenas foi encontrado em 2007. As moedas, cerâmicas e vidros descobertos podem ser admiradas no edifício vizinho, o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa, de entrada obrigatória para quem quer entender a integração de Bracara Augusta no Império Romano. Enquanto caminhamos em direção à cidade medieval, o nosso guia vai falando de como a Igreja acaba por pegar na capital romana e transformá-la numa capital de província eclesiástica. O episcopado está sempre presente, nas cruzes duplas que se avistam a encimar edifícios e fontanários um pouco por todo o lado
Uma Urbe por camadas... No Largo de São Paulo, a paragem prolonga-se. Ao centro, está a estátua de D. João Peculiar, conselheiro de D. Afonso Henriques, "a segunda figura mais importante da nossa nacionalidade", frisa Rui. "Conseguiu a bula do Papa Alexandre III que reconheceu Portugal como reino". Por ser um feudo eclesiástico, Braga tinha exército próprio e os primeiros arcebispos sempre deram apoio militar ao primeiro rei, recorda. Deste lado, ninguém diria que a Torre que temos em frente, de S. Tiago, é do período medieval. A oratória que se vê foi desenhada por André Soares, nome maior do barroco bracarense: "Foi uma forma de agradecer a Nossa Senhora o ter poupado Braga do terremoto de 1755", explica o nosso guia. Atravessando por baixo do Arco ao lado vê-se então o desenho original da Torre, que recebe parte do espólio do Museu Pio XII. Pode (e deve-se entrar) para desfrutar da bela vista e apreciar a coleção. Deste lado, no Campo de S. Tiago, é possível ver claramente essa sobreposição da cidade medieval à romana. No colégio de S. Paulo (em 1560 entregue aos jesuítas e onde hoje funciona o seminário), uma feliz coincidência fez com que o claustro da entrada coincidisse com o pátio de uma casa romana, recentemente musealizado. Sobre a Sé, a mais antiga do país, datada de 1089, podiam escrever-se centenas de linhas. A estrutura é românica, mas "como cada arcebispo quis deixar a sua marca temos uma amálgama de estilos", nota Rui. A fachada foi remodelada no século XVIII pelo mesmo arcebispo que mandou erguer o Bom Jesus, D. Rodrigo de Moura Teles ("um homem pequenino de metro e 20 de altura, mas grandioso nas ideias"). Duas arquivoltas do pórtico românico primitivo, no entanto, mantiveram-se. No interior, o historiador destaca o órgão de 1737, "obra magnificente do Barroco com mais de dois mil tubos" e o retábulo com o nome de todos os arcebispos de Braga, que até 1792 governaram a cidade. Para ver "a parte mais bem decorada da Sé", a cabeceira gótica, e a estátua da Senhora do Leite, de Nicolau de Chanterenne (a original está no Museu da Sé) é preciso contornar o monumento, passando pelo Rossio ou pelo Largo do Paço (onde está a certidão de nascimento de Portugal). Retomando a entrada principal do templo e seguindo em frente pela Rua D. Paio Mendes chegamos à artéria mais medieval da cidade, a D. Frei Caetano Brandão. É lá que se encontram as cinco casas quinhentistas em granito, estreitas e algo tortas. De duas delas é possível conhecer o interior. O Bar de Tapas Copo e Meio, para além da qualidade gastronómica (pode saborear-se a cozinha tradicional minhota) e do espaço acolhedor com várias lareiras, tem uma arquitetura singular, desnivelada, com várias salas e colunas romanas. A rua seguinte, da Vielinha, a mais estreita da cidade, esconde parte da muralha medieval. Percorrendo-a chega-se à Praça Velha e a nova torre (a do Museu da Imagem). No século XVI, D. Diogo de Sousa julgou que a cidade deveria ter um eixo comercial fundamental e elegeu a Rua do Souto, que se mantém até hoje como a mais movimentada de Braga e principal responsável pelo carimbo de capital do comércio. Ao fundo, o Arco da Porta Nova é também obra do mesmo homem: "Foi o arcebispo mais importante, porque remodela a cidade, abre portas na muralha, praças no exterior, com capelas, fontes, cruzeiros, e dá as bases para Braga crescer". Antes do almoço, uma curiosidade. O ditado "És de Braga deixas a porta aberta" pode ter tido origem aqui. "Esta é a primeira porta da muralha que se fez sem porta", conta Rui. Ler mais: http://visao.sapo.pt/cidade-mutante=f650499#ixzz1sKtjC5BP
Braga recebe quem a visita de porta aberta A Braga que o tempo levou Ali a dois passos a porta do restaurante vegetariano Anjo Verde está fechada. Abrimo-la para uma pausa quente, num espaço claro e acolhedor, onde o nosso anfitrião nos traz "pela criatividade na cozinha e pela forma de apresentar os sabores que mistura". Rua do Souto acima, viramos para a Praça do Município, em frente à Igreja da Misericórdia (a única renascentista da cidade e, segundo Rui, a que tem o "mais espantoso" retábulo mor, do autor do órgão da Sé). O arcebispo D. José de Bragança chamou André Soares para desenhar o Palácio dos Arcebispos (hoje arquivo municipal) e o edifício da Câmara. Quis fazer da praça a mais importante de Braga. É barroca, naturalmente... Ao longo da escadaria da Câmara Municipal e no Salão Nobre, os azulejos do século XVIII mostram a Braga que o tempo levou, como o castelo (de que sobrou apenas a Torre de Menagem, atrás da Arcada) ou a Sé antes das várias intervenções. A Rua de São Marcos fica noutra ponta do casco antigo. Convém fazer a entrada na artéria pelo Largo Carlos Amarante e observar a Igreja de Santa Cruz com vários elementos maneiristas. As jovens casadoiras que encontrarem rapidamente os dois galos na fachada, reza a lenda, encontrarão marido em breve. A Casa dos Crivos destaca-se no conjunto. É o único exemplar que restou de um tipo de arquitetura comum no século XVIII. Reflete a cidade religiosa que conserva os bons costumes: "As senhoras viam para dentro, mas quem passava na rua não sabia o que se passava no interior". Na cidade, a visita termina na Arcada, desde o século XIX, a mais importante praça de Braga, onde nasceu o Café Vianna, também ele um marco na vida social bracarense. Da Arcada, parte a Avenida Central, onde sobressai a imponente fachada da Igreja dos Congregados, mais um exemplo do barroco bracarense e da obra de André Soares. A sua obra-prima esconde-se, no entanto, no Bom Jesus. No alto, na pequena gruta atrás da igreja, o artista "exibe toda a força do seu génio", observa o nosso guia. "Integra-se na paisagem como se tivesse estado sempre ali. A pureza do rococó, os elementos assimétricos...". Vista de cima (ainda sem o célebre binóculo que será em breve reposto), Braga mostra um manto de betão, sem revelar as preciosidades que esconde...
Joana Fillol (texto) e Lucília Monteiro (fotos) 13:30 Segunda feira, 5 de Mar de 2012 Visão Viagens > Portugal > Cidade mutante

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